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Qui, 21/1/10 10:48

EM BUSCA POR UMA GEOGRAFIA DOS ESPORTES: O FENÔMENO ESPORTIVO COMO TRANSFORMADOR DO ESPAÇO

Autor: Prof. Consultor CDOF Prof. Marcelo da Cunha Matos *.
Data de Publicação: 21 de Janeiro de 2010.

   "É bastante compreensível a reação de estranhamento provocada com quem se depara pela primeira vez com o "inusitado" casamento entre os esportes e a Geografia" (MASCARENHAS, 1999, p. 46). Na verdade, essa intrigante correlação causa indagações somente para quem analisa o esporte apenas pelas suas práticas competitivas, regras, treinamentos, a fisiologia do exercício, preparações físicas e performances dos atletas. O mesmo acontece ao se observar a Geografia como uma ciência que estuda apenas acidentes físicos, pois analisando o esporte como um agente modificador do espaço, descobriremos inúmeras semelhanças entre esses dois campos.

   Todavia, a ciência geográfica tem sofrido transformações necessárias a fim de entendermos sua imensidão intelectual. No Brasil, podemos destacar Milton Santos como um dos pensadores que mais contribuiu para a Geografia com seus belos estudos e conceitos. Santos abordava de forma grandiosa o estudo do espaço, demonstrando a sua importância para uma determinada população. De fato, não podemos negligenciar as ações impostas pela sociedade ao espaço, pois sem tais informações a análise torna-se incompleta. O espaço não é estático; pelo contrário, encontra-se em constante processo de modificação e interação com o meio.

   (...) o espaço constitui uma realidade objetiva, um produto social em permanente processo de transformação. O espaço impõe sua própria realidade; por isso a sociedade não pode operar fora dele. Consequentemente, para estudar o espaço, cumpre apreender sua relação com a sociedade, pois é esta que dita a compreensão dos efeitos (...) (Santos, 1985, p. 49).

   Sendo assim, a análise das práticas esportivas tendem a ganhar demasiadamente com as contribuições geográficas, visto que qualquer atividade humana precisa de um espaço para poder se expressar adequadamente. Os esportes passarão a ser observados como algo muito mais vasto e complexo, podendo gerar diversos benefícios para a sociedade. "A Geografia movida por suas transformações recentes, começa a se debruçar sobre este rico e vasto campo de investigação, disposta a oferecer uma contribuição e um "olhar" peculiar" (MASCARENHAS, 1999).
A Geografia dos Esportes ainda possui um discreto, porém sólido, espaço no campo científico e é, muitas vezes considerada por seus autores como uma ramificação da Geografia Cultural(1) . Iniciou-se de forma modesta e dentre alguns autores, podemos destacar o inglês John Bale(2) , o norte-americano John Rooney(3) , além de colaborações dos geógrafos franceses Jean-Pierre Augustin e Loïc Ravanel (que produziu um dos poucos estudos geográficos exclusivos sobre futebol) e o português Jorge Gaspar.

   Tais autores, ao longo do tempo, têm trabalhado arduamente com o intuito de conceder credibilidade à Geografia dos Esportes no cenário científico através de trabalhos, visando obter notabilidade e prestígio. Em certos países, a Geografia dos Esportes já obtém alguma consistência. Para corroborar tal fato, podemos destacar a graduação em Geography and Sports Science da Universidade de Birmingham, UK, voltada para a gestão e planejamento de espaços de recreação e esportes na cidade.

   Em âmbito nacional, percebemos uma ausência de trabalhos geográficos que envolvam direta ou indiretamente a atividade esportiva. O pioneirismo, não apenas no Brasil, mas em toda América Latina é dado por Gilmar Mascarenhas de Jesus(4) , idealizador da criação da disciplina "Geografia dos Esportes" de caráter eletivo do Departamento de Geografia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

   Porém, podemos destacar outros profissionais de diversas áreas no Brasil que têm elaborado alguns estudos relacionados ao esporte, merecendo destaque, tais como: Maurício Murad do Departamento de Ciências Sociais da Uerj, atuando na Sociologia do Esporte; Victor Andrade de Melo da Escola de Educação Física e Desportos da UFRJ com área de atuação em História do Esporte, Estudos do Lazer e Estudos Culturais; o economista da UFRJ, Fábio de Silos Sá Earp, estudioso da Economia do Esporte; e o historiador Leonardo Affonso de Miranda Pereira da Unicamp, doutor em História Social, mostrando que outros campos científicos também estão se aventurando pelo mundo esportivo, não sendo restrito apenas à Geografia.

   Assim, projetos direcionados à dinâmica em tela tendem a estimular a interação de grupos de pesquisa(5) relacionados de alguma forma ao estudo do esporte, criando articulações entre o conjunto de reflexões e experiências de atuação destes grupos. Além disso, tais projetos geram demandas de estudos e conhecimento de intervenção relacionadas ao esporte, de forma a estimular o aumento quantitativo e qualitativo das reflexões acerca do objeto. E a Geografia, com sua capacidade de analisar o espaço e a sociedade de forma ampla e ímpar, apresenta ferramentas fundamentais para oferecer subsídios consistentes à problemática em questão.

   Ao mesmo tempo, tais contribuições esclarecidas pelos estudos citados acima possibilitam encaminhar, a entidades interessadas, informações e análises para subsidiar o desenvolvimento esportivo estadual e nacional e, conseqüentemente, oferecer apoio consultivo a agências de fomento, outras instituições e empresas, bem como para a mídia, em assuntos relacionados ao esporte, contribuindo na divulgação para a população fluminense de aspectos relevantes relacionados ao esporte.

   Podemos verificar a relação dos esportes com a Geografia de diversas maneiras. Vejamos exemplos desta correlação:

   O Golfe e o Turfe são esportes que, para serem realizados, necessitam obrigatoriamente de uma área extremamente ampla e com certas especificidades. Assim, sem um local com essas características fica inviável sua prática.

   Ao somarmos isso com sua condição elitista, essas atividades contribuem com uma valorização do solo em que eles se encontram e de suas redondezas, ocasionando uma especulação imobiliária. "John Bale estima que no Reino Unido (onde tais campos de "monocultura" ocupam preciosos 80 mil hectares de terra) a presença de campos de golf valorizam em média as propriedades mais próximas em cerca de 10%" (MASCARENHAS, 1999, p. 51). Em certos locais, tais campos são criados justamente para haver uma valorização do solo, muitas vezes deixando em segundo plano a finalidade esportiva. No caso do Rio de Janeiro, podemos corroborar este acontecimento através de São Conrado, bairro carioca de classe alta, que abriga um dos maiores e mais refinados campos de golfe da cidade, o Gávea Golf And Country Club.

   O aumento da prática dos chamados esportes radicais como, por exemplo, Rafting, Trekking, Rapel, Corrida de Orientação, entre outros elevam muito o campo de trabalho para os Geógrafos, pois tais esportes devem ter um cuidado essencial com o meio ambiente. Assim, esta profissão pode averiguar se as áreas determinadas para essas práticas esportivas estão sujeitas a sofrerem degradação, se há o risco de haver deslizamentos de terra etc. Além disso, o Geógrafo pode se fazer presente também na elaboração de cartas, material indispensável para esportes como o Trekking e a Corrida de Orientação.

   Na cidade do Rio de Janeiro, o equipamento esportivo mais presente é o campo de futebol. Seja ele pavimentado com gramado, terra batida ou cimento, este é cenário da atividade física mais querida pelo carioca, ou melhor, pelo brasileiro. Mascarenhas (2001, p. 2) exemplifica isto ao mostrar que:

   "Nos menores sinais de aglomeração humana, mesmo nas mais remotas regiões, notar-se-á que dois objetos na paisagem caracterizam o essencial do nosso ecúmeno: um pequeno tempo católico e um campinho de futebol".

   E estudos elaborados pelo departamento de Sociologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro revelaram que o "campinho" de futebol é mais freqüente na paisagem do que a própria igreja (MASCARENHAS, 2001).

   Entretanto, o campo de futebol público, atualmente, tem perdido um pouco de espaço e, conseqüentemente, praticantes, pois vemos nascer, a partir do final da década de 90, a época dos gramados particulares sintéticos, localizados em clubes, condomínios fechados etc. Junto a isso, há o aumento da especulação imobiliária que tem acabado com os "campinhos" de futebol, além do crescimento da violência urbana que tem levado os cidadãos a se reservarem mais.

   Conseqüentemente, os indivíduos com grande poder aquisitivo serão os únicos que poderão pagar a clubes e/ou escolinhas de futebol possuidores desses campos modernos, restringindo este lazer a uma camada privilegiada da população.

   O estádio de futebol, além de ser utilizado para jogos, já foi, ao menos no período do Estado Novo, palco para manifestações políticas e cívicas organizadas pelo governo. O estádio municipal do Pacaembu, localizado na cidade de São Paulo, era usado para comemorações de 1o de maio, o Dia do Trabalho. Todavia, é interessante ressaltar que tais eventos não aconteciam sem qualquer relação com o futebol, pelo contrário, importantes partidas entre os clubes da cidade eram também muitos esperados pelos espectadores. Negreiros (1997, p. 43) via no público desses acontecimentos "um misto de torcedores com trabalhadores ligados aos sindicatos controlados pelo Estado".

   O estádio de São Januário, sede do Clube de Regatas Vasco da Gama, localizado no bairro de São Cristóvão, na Zona Norte carioca, também foi cenário de eventos com este, tornando-se uma importante referência como o principal palco de eventos e manifestações cívicas na cidade.

   Getúlio Vargas, por exemplo, soube aproveitar da grandiosidade do estádio discursando para dezena de milhares de pessoas em seu palanque privativo. Dentre diversas comemorações marcantes, podemos destacar as festas de 1o de maio, em homenagem ao Dia do Trabalho. Esta data foi utilizada para anunciar ao país, em 1940, a criação do salário mínimo e, em 1943, a promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT (MALHANO, 2002).

   Caracterizado por um caráter populista, seu governo tendia a vincular a vivacidade do futebol às suas obras políticas como forma de atrelar a sua imagem como Presidente da República em defesa da classe trabalhadora brasileira.

   Ferreira (2003) lembra que em alguns momentos o bairro de São Cristóvão vivenciava seus belos tempos de bairro imperial, uma vez que naquela época havia uma intensa atenção à vida política e social em nível nacional. É válido lembrar que isso tudo acontecia em um estádio localizado no qual o bairro era considerado de subúrbio, São Cristóvão, para o qual as multidões da Zona Sul e do Centro se deslocavam em dias festivos.

   Os movimentos políticos e cívicos que ocorriam em São Januário naquela época já indicavam que o estádio tornar-se-ia uma referência naquela área, reproduzindo ações que alteram o espaço em questão (MATOS, 2004, p. 53).

   Ao tratarmos de modificações espaciais na Geografia dos Esportes, os Jogos Olímpicos é indubitavelmente o evento esportivo que altera mais a morfologia, a funcionalidade e a dinâmica territorial. Augustin (1995) alerta para o quanto estes representam uma autêntica vitrine das potências econômicas, alimentando no plano imaginário a lógica das profundas desigualdades no cenário internacional.

   Segundo Muñoz (1996), a partir de 1932 é pertinente falar em "urbanismo olímpico", quando a cidade de Los Angeles, abalada pela crise de 1929, utilizou os Jogos como forma de melhorar sua economia e planejar a cidade. A cada Olimpíada inovações surgiam e modificavam a estrutura social, econômica e espacial das cidades por onde este evento passava. Berlim, sede das Olimpíadas de 1936, inovou com as edificações de vilas olímpicas. Já em 1952, Helsinki utiliza os Jogos para inaugurar projetos habitacionais. O apoio de universidades foi utilizado primeiramente em Melbourne através de suas infra-estruturas esportivas. Roma, em 1960, viu em sua vila olímpica um forte condicionante para criar um projeto de expansão urbana.

   Os equipamentos esportivos eram objetos de aproveitamento a fim de valorizar certas áreas que, até então, estavam desprezadas, fato que aconteceu em Munique (1972) e em 1976, na cidade de Montreal.

   Seul (1988) e Barcelona (1992) desenvolveram-se urbanisticamente e criaram centralidades em suas paisagens. Além disso, tornaram-se cidades com um grande número de turistas e investimentos internacionais após os Jogos Olímpicos.

   Deste modo, ao analisarmos as inovações que cada cidade propôs, fica claro que cada "olimpíada vem deixando (ou propiciando) marcas indeléveis na paisagem das cidades, tornando-se uma efetiva possibilidade de executar o planejamento urbano" (MASCARENHAS, 2002, p. 12).

   Assim, inegáveis conseqüências que as Olimpíadas trazem para a cidade-sede, como a dinamização da economia local, uma redefinição da imagem da cidade em caráter mundial etc, levam diversas cidades de vários países a quererem comportar toda a estrutura que esta necessita, pois muitas delas utilizam deste evento como forma de melhorar sua condição social e financeira.

   O exemplo dos Jogos Pan-americanos de 2007, que serão sediados na cidade do Rio de Janeiro, e a vontade futura de sediar as Olimpíadas, indubitavelmente, trarão conseqüências notáveis e deixarão para a cidade e o país um legado nos campos esportivo, econômico, social, cultural e urbano, além das melhorias estruturais e, sobretudo, da imagem da cidade no exterior, "posto que sua prática implica transformações significativas na forma e na dinâmica territoriais" (MASCARENHAS, 1999, p. 50).

   Acontecimentos como estes sugerem uma infra-estrutura de amplo tamanho. Mascarenhas (1999, p. 50) ainda ressalva que:

   "São estádios, ginásios, pistas diversas, enfim, um amplo conjunto de equipamentos fixos na paisagem e geralmente de grande porte físico, o que resulta em maior capacidade de permanência. São também objetos de grande visibilidade na paisagem urbana, comparecendo assiduamente no repertório imaginético da sociedade, como por exemplo, nos mapas mentais, aquele que procuram sintetizar a percepção humana em uma cartografia subjetiva, calcada em sentimentos do homem comum diante dos lugares".

   Tais equipamentos compõem também importante centralidade física e simbólica e tendem a penetrar no imaginário, nos mapas mentais das pessoas, estabelecendo um diálogo durável com a sociedade e também com o seu entorno, além de constituir uma grande referência para a área.

   Alguns exemplos foram apontados com o intuito de elucidar a relação entre a Geografia e o fenômeno esportivo que cresce demasiadamente, criando ramificações por toda a sociedade, tornando-se alvo de constantes estudos por diversas áreas do saber. A partir deste trabalho, vislumbramos, portanto, iniciar uma discussão referente ao estudo do esporte como instrumento transformador do espaço e, conseqüentemente, criador de novas relações para a sociedade em diferentes aspectos.


Notas:

1 Em síntese, é uma vertente geográfica assentada na subjetividade, na intuição, nos sentimentos, na experiência, no simbolismo.

2 Professor da Keele University, responsável pelo maior número de publicações na área de Geografia dos Esportes.

3 Estudioso do grupo de estudos sobre esporte do Departamento de Geografia da Oklahoma State University.

4 Doutor em Geografia Humana pela USP; Professor do Departamento de Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

5 Neste contexto, no início de 2004, foi criado no Rio de Janeiro o Instituto Virtual do Esporte, sediado no Centro de Memórias da Escola de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Este Instituto tem como objetivo principal a criação de uma rede de promoção de pesquisa vinculado ao estudo do esporte a partir de uma perspectiva multidisciplinar.

Bibliografia

AUGUSTIN, Jean-Pierre. Les Territoires Incertains du Sport. Cahiers de Géographie, 114 (41), dez. 1997.
FERREIRA, Fernando da C. Dos jesuítas ao Almirante: o processo de formação do bairro Vasco da Gama. Monografia de Pós-Graduação em Políticas Territoriais no Estado do Rio de Janeiro. Uerj. Fevereiro, 2003.
MALHANO, Clara E. S. M. B. São Januário: arquitetura e história. Rio de Janeiro: Mauad: FAPERJ, 2002.
MASCARENHAS, Gilmar. A Geografia e os Esportes: uma pequena agenda e amplos horizontes. Conexões: Educação, Esporte, Lazer. Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), junho de 1999, p. 46-59.
____________________. Construindo a Cidade Moderna: a introdução dos esportes na vida urbana do Rio de Janeiro. Revista Estudos Históricos. Rio de Janeiro, CPDOC (Fundação Getúlio Vargas). Número 23, p, 17-39, junho de 1999.
____________________. A bola nas redes e o enredo do lugar: uma geografia do futebol e de seu advento no Rio Grande do Sul. Tese de Doutorado em Geografia Humana, Universidade de São Paulo, 2001.
____________________. O lugar e as redes: futebol e modernidade na cidade do Rio de Janeiro. In: MARAFON, G. e RIBEIRO, M. (orgs.) Estudos de Geografia Fluminense. Rio de Janeiro: Infobook, 2002, p. 127-142.
MATOS, Marcelo C. contexto da produção de um objeto geográfico na cidade do Rio de Janeiro e sua centralidade: o Estádio de São Januário. 2004. Monografia (Licenciatura e Bacharelado em Geografia) - Departamento de Geografia, Instituto de Geociências, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.
NEGREIROS, Plínio L. C. O estádio do Pacaembu. In: Coletânea do V Encontro de História do Esporte, Lazer e Educação Física, Ijuí: Editora da UNIJUÍ, p. 31-44, 1997.
MUÑOZ, F. Historic evolution and urban planning typology of Olympic villages, Centre d´Estudis Olímpcs i de l´Esport. Barcelona, 1996.
SANTOS, Milton. Espaço e Método. São Paulo: Nobel, 1985.

* Bacharel e Licenciado em Geografia pela Uerj e Licenciado em Educação Física pela UFRJ.

 

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