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Sex, 18/1/13 21:10

XADREZ: esporte, história e sua influência na sociedade
Ciro José Cardoso Pimenta*

RESUMO

   O objetivo deste texto é apresentar o xadrez como esporte, mostrar suas particularidades, expor sua história e relacionar seus fatos mais importantes com a história da humanidade. O Xadrez, conhecido como “Jogo dos Reis”, conquista todo o mundo após sua invasão ao Ocidente. Depois de algumas convergências, o jogo adota um aspecto padronizado em todo planeta. Desde então, vem sendo praticado de todas as formas possíveis, sendo usado como artigo de marketing, como elemento da educação na área escolar, como lazer, esporte, passatempo e até como artifício hegemônico na recente Guerra Fria, sempre promovendo a inteligência, a competitividade e a criatividade dos homens.

ABSTRACT

   The objective of this text is to present the chess as sport, to show its particularitities, to display its history and to relate its more important facts with the history of the humanity. Known as “Kings Game”, the chess conquest the whole world after its invasion to the Ocidente. After some convergences, the game adopts a standardized aspect in all planet. Since then, it comes being practised of all the possible forms, being used as article of the marketing, as element of the education in the pertaining to school area, as leisure, sport, pastime and until as hegemonic artifice in the recent Cold War, always promoting intelligence, the competitiveness and the creativity of the men.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS - DEFINIÇÃO

   Definir o xadrez é, sem dúvida, um ato complexo, pois o esporte aborda diversas áreas da expressão humana. Muito oportuna foi a colocação do famoso poeta, romancista e cientista alemão GOETHE (1786), “O xadrez é a ginástica da inteligência”, entretanto MELÃO JÚNIOR (1998) refere-se ao xadrez de forma mais ampla e poética, definindo-o como:

   O xadrez não passa de um punhado de tocos de pau, dispostos sobre uma tábua quadriculada, situada entre duas criaturas incompreensivelmente absortas, que, dominadas por uma espécie de autismo, desperdiçam inutilmente seu tempo, olhando para este brinquedo sem graça, enquanto o mundo ao seu redor pode desmoronar sem que se apercebam disso. Esta é a interpretação do homem vulgar, insensível e apático; incapaz de enxergar as essências, homem que se conforma com uma visão superficial das coisas e se deixa seduzir pelas aparências de outras atividades menos belas e eloqüentes. Para o homem mediano, o xadrez é um mero acessório, útil tão somente porque contribui para desenvolver diferentes faculdades mentais, melhorando o desempenho escolar nas crianças, intensificando a acuidade mental nos adultos e preservando por mais tempo a agilidade mental nos idosos. Porém, para o homem espirituoso, criativo e empreendedor, o xadrez é uma das mais ricas fontes de prazer, um meio no qual se encontram elementos para representar as mais admiráveis concepções artísticas, um campo pelo qual a imaginação pode voar livremente, produzindo, com encantadora beleza, idéias deliciosamente sutis e originais. O xadrez é uma das raras e preciosas atividades em que o homem pode explorar ao fundo suas emoções, atingindo estados de prazer tão sublimes, tão ternos, tão intensos, que só podem ser igualados pelas sensações proporcionadas pelo amor e pela música.

   Por esta sua característica de exercitar de forma competitiva e saudável o cérebro do homem, o xadrez expandiu-se de um simples jogo regional indiano ao apaixonante esporte que é hoje. Suas origens remetem a muitas fontes. De certo, a fonte histórica mais antiga que possui o xadrez é uma pintura indiana que retrata duas pessoas jogando algo parecido com ele, por volta de 3000 ac. De tão incerta que é a origem do xadrez conta-se até uma interessante lenda que nos faz divagar sobre parte da matemática do esporte.

   Até os dias atuais foram muitas as evoluções, sempre seguindo em paralelo aos rumos que tomou a história da humanidade. O xadrez é levado ao Ocidente com a invasão do Império Persa pelos Árabes. A partir daí então, foram mudadas algumas peças, o jogo perde o fator sorte e passa a depender tão somente dos conhecimentos de cada jogador. As capacidades de memória, estratégia, combinação, tomada de decisões e bom senso tornam-se elementos primordiais ao bom jogador de xadrez. Surgem os primeiros campeões, o xadrez se expande cada vez mais atingindo também o novo continente. Sua difusão só não é mais ampla pela forte discriminação que há na época contra negros e mulheres. Passam-se os séculos e o xadrez continua presente na sociedade, sempre com seu aspecto dinâmico e realista.

   Chega a ser disputado como exibição em algumas olimpíadas, mas após contestado seu lado esportivo é retirado. Entretanto o xadrez responde com sua participação importantíssima como elemento de status na Guerra Fria, tornando-se ainda mais difundido em todo planeta e tendo até hoje a segunda maior federação do mundo em número de filiados, a FIDE, com cerca de 200 países filiados, estando à frente de esportes como vôlei, tênis e basquete e sendo disparadamente o esporte mais praticado no mundo.

   Sua importância é salientada nas duas últimas décadas, onde governos de todo o mundo desenvolvem grandes projetos envolvendo o xadrez no âmbito escolar, já que é do conhecimento de todos a importância deste jogo na formação da criança e do cidadão.

   Tantas conquistas trazem ao xadrez o status novamente de esporte, sendo que tomará definitivamente parte das competições olímpicas a partir de Atenas 2004.

HISTÓRIA E LENDA DO XADREZ

   Por falta de documentos é muito difícil obter uma fonte clara sobre a data de invenção do xadrez. Historiadores postulam sobre várias possibilidades, de certo, o registro mais antigo que há sobre o xadrez é uma antiga pintura egípcia que mostra duas pessoas jogando algo parecido com o jogo cerca de 3000 anos ac. Todavia, costuma-se aceitar como introdução à história do xadrez uma bela lenda, que posiciona bem o caráter intelectual e psicológico do esporte, exposta por BECKER (1971, p. 259) em sua obra:

   Pela lenda, o xadrez foi inventado há 1950 anos por um hindu de nome Sissa, a fim de distrair o seu rei. Ao conhecer o jogo, o rei da Índia ficou tão entusiasmado que ofereceu a Sissa a liberdade de escolher o que ele bem desejasse como recompensa por tão notável invento. Toda a corte esperava que Sissa fosse pedir grandes riquezas, mas ele surpreendeu a todos com o seguinte pedido: um grão de trigo pela primeira casa do tabuleiro; dois grãos de trigo pela segunda casa; quatro grãos de trigo pela terceira casa; oito grãos de trigo pela quarta casa e assim sucessivamente, sempre dobrando o número de grãos da casa anterior até a casa de número sessenta e quatro (o tabuleiro de xadrez tem 64 casas). Seu pedido provocou risos. O rei meio que contrariado disse-lhe: “Um invento tão brilhante e um pedido tão simples? Escolha uma grande riqueza meu jovem, um de meus castelos, um palácio ou até uma de minhas mulheres!” Mas Sissa mostrava-se inapelável à proposta do rei, e, como palavra de rei é palavra de rei, este, ainda contrariado, pediu a seus criados que entregassem a Sissa um grande saco de grãos de trigo. Sissa entretanto, recusou a oferta dizendo que queria receber exatamente o que havia pedido, nem um grão a mais, nem um grão a menos. O rei pediu então para que seus calculistas fizessem as contas. Depois de muito tempo e muitas contas, o matemático oficial do reino chegou assustado para avisar ao rei que eles encontraram o número 18.446.744.073.709.551.615 de grãos de trigo a serem pagos ao jovem Sissa, ou seja, dezoito quintrilhões, quatrocentos e quarenta e seis quatrilhões, setecentos e quarenta e quatro trilhões, setenta e três bilhões, setecentos e nove milhões, quinhentos e cinqüenta e um mil e, seiscentos e quinze. É um número tão grande de grãos de trigo, que seria necessário semear seis vezes a superfície da terra para obtê-lo. Se uma pessoa contasse de um até este número, gastando um segundo por número, levaria quase sessenta bilhões de séculos para chegar até ele. Vendo-se incapacitado em cumprir a promessa, o rei mandou chamar Sissa para lhe oferecer outra recompensa. Sissa, entendendo a aflição do monarca por não poder cumprir sua promessa perdoou a dívida, afinal, seu objetivo havia sido atingido, ou seja, chamar a atenção do monarca para o cuidado que deveria ter com suas promessas e julgamentos e para reconhecer que atitudes aparentemente humildes formam grandes conquistas. Por fim, Sissa aceitou ser conselheiro do rei e todos viveram felizes para sempre.

Já a história do xadrez segue a proposta de alguns autores.

   Segundo MURRY (1955), aproximadamente em 570 dc surge na Índia o chaturanga (jogo dos quatro elementos), que é o ancestral do xadrez. Jogavam quatro pessoas, sendo que cada qual possuía oito peças: um ministro (hoje dama), um cavalo, um elefante (hoje bispo), um navio (mais tarde uma carruagem, hoje a torre) e quatro soldados (atualmente os peões). O tabuleiro era monocromático (de uma só cor) e as peças dos quatro jogadores diferenciavam-se pelas cores vermelha, verde, negra e amarela. A peça a ser movimentada era definida por um lance de dados. Este jogo indiano teve três evoluções: num primeiro momento, eliminaram-se os dados; posteriormente, os jogadores em diagonal unem-se (aliados) e mais tarde, os aliados passaram para o mesmo lado do tabuleiro. Através de rotas comerciais e culturais o chaturanga é exportado para a China tornando-se lá o "Jogo do Elefante" e posteriormente o "Jogo do General" no Japão e na Coréia. Na Pérsia ele passa a ser chamado de "Jogo de Xadrez" (em persa chatrang) e goza de imensa popularidade. É nesta época que o número de parceiros é reduzido a dois e cria-se uma nova peça; o Xã (Rei). Com a Pérsia sendo conquistada pelos árabes (por volta de 651 dc) estes adotam e difundem o jogo pela África e Europa. No século XI, o xadrez já é conhecido em toda a Europa e sofre a seguinte modificação: o Ministro torna-se Rainha (Dama). Na verdade o jogo ao adentrar a Europa começa a apresentar um aspecto monárquico. No século XIII as casas do tabuleiro passam a ser dividas em duas cores para facilitar a visualização dos enxadristas. Por volta de 1561 o padre espanhol Ruy Lopez de Segura idealiza a criação do roque, movimento que será aceito na Inglaterra, França e Alemanha somente 70 anos depois. O movimento en passant já era usado em 1560 por Ruy Lopez, embora não se conheça seu criador. O duplo avanço do peão em sua primeira jogada surge em 1283, em um manuscrito europeu. Entretanto, a principal alteração que sofrerá o xadrez acontecerá aproximadamente em 1485, na renascença italiana, surgindo o chamado xadrez da "Rainha Enlouquecida", pois até esta época a rainha só podia deslocar-se uma casa por vez pelas diagonais, os bispos, que se moviam em diagonal de duas casas, passam a ter, também, movimentos mais longos. Os peões que chegam à última fila são promovidos a uma peça já capturada. São escritos vários livros importantes que contribuem para uma compreensão cada vez mais profunda do xadrez. Dentre estes livros famosos podemos citar: Livro de la Invención liberal y arte del juego del ajedrez, escrito por Ruy Lopez em 1561 e traduzido para quase todos os idiomas; Trattado del nobilissimo e militare esercitio de scacchi, escrito por Gioachino Greco (1600- 1634); Le noble jeu des échecs, escrito pelo sírio Felipe Stamma em 1737; L'Analyse du jeu des échecs escrito em 1749 pelo francês François André Philidor. Neste livro Philidor propõe um dos primeiros regulamentos enxadrísticos, contendo o roque, o en passant, a promoção ilimitada, além da máxima "peça tocada, peça jogada; peça largada, lance efetuado”. Em 1851 abre-se a era moderna do xadrez com o Primeiro Torneio Internacional durante a Primeira Exposição Universal de Londres, que foi vencido pelo alemão Adolf Anderssen. Anderssen teve inúmeros sucessores, mas os que mais se destacam são o pai do xadrez moderno, Wilhelm Steinitz (1836-1900) e seu sucessor, Emanuel Lasker (1868-1941). Steinitz é tido como um Aristóteles do xadrez. Seus planos são novos, baseado no acúmulo de pequenas vantagens que o adversário cede, se consideradas separadamente, nada representam, mas acumuladas podem construir uma vantagem decisiva. O mérito de Steinitz está em perceber que a teoria de uma partida de xadrez gira em torno de um delicado equilíbrio de forças. Para conseguir vantagem em um desses elementos, tempo, espaço e matéria, deve-se ceder algum outro tipo de vantagem de igual ou aproximado valor. Em outras palavras, nada se obtém grátis em uma partida bem equilibrada de Xadrez. Steinitz foi campeão mundial por 28 anos, de 1866 a 1894. Já Emanuel Lasker, que derrotou Steinitz, é considerado uma das maiores personalidades da história do Xadrez. Doutor em filosofia e matemático, via o xadrez como uma constante luta de duas vontades. Como teórico procurou desvendar os princípios fundamentais que regem a conduta da partida de xadrez. Seu estilo consiste em desequilibrar a posição, nem sempre realizando as melhores jogadas, mas sim os lances mais desagradáveis para cada adversário. A este estilo criado por Lasker, dá-se o nome de "Escola Psicológica". Após ser Campeão Mundial por 27 anos, de 1894 a 1921, Lasker perde o título para o cubano José Raul Capablanca. Todavia duas alterações importantes no panorama enxadrístico internacional merecem ainda menção: Em 1924, é fundada em Paris a Fédération International Des Échces, a FIDE, que hoje é a segunda maior federação esportiva do mundo, ficando atraz apenas da FIFA (Federação Internacional de Futebol e Associados) em número de países filiados. Em dezembro de 1986 a FIDE e a UNESCO criam a Comission For Chess In Schools que tem um importante papel na difusão do ensino e na democratização do Xadrez enquanto instrumento pedagógico utilizado nas escolas.

XADREZ E A GUERRA FRIA

   Após a Segunda Guerra Mundial criou-se no mundo um aspecto bipolar. Bipolaridade refere-se ao fato de que dentre os países do mundo, dois dominavam o cenário a fim de impor suas políticas; eram eles: Estados Unidos, capitalistas e União Soviética, socialistas. Estes dois países formaram blocos com países aliados, o bloco capitalista e o socialista. Iniciou-se assim então a chamada Guerra Fria que durou até o final da década de noventa quando da desintegração da União Soviética. Contudo, a Guerra Fria se caracterizou não em suma por combates bélicos físicos propriamente ditos, mas sim por um amplo desenvolvimento cultural e tecnológico de ambos blocos. A Guerra consistia na verdade em fazer e demonstrar ao mundo e ao adversário a superioridade em busca da hegemonia. Foi assim na corrida espacial, no arsenal nuclear e também nas artes e esportes, sobretudo no xadrez. Em 1972 foi disputado em Reykjavich, capital da Islândia, o match pelo Campeonato Mundial de Xadrez envolvendo um norte-americano, Bobby Fischer e um Soviético, Boris Spasski, atual campeão mundial da época. Como o xadrez representava a capacidade intelectual, a inteligência, a ciência, a arte, ou seja, todas expressões culturais, artísticas e intelectuais, a vitória significaria uma grande conquista para o bloco vencedor, já que este usaria da conquista para sobrepujar a capacidade intelectual do inimigo em relação à sua.

   Era uma situação totalmente nova no cenário mundial, pois ambas as nações, EUA e URSS viam grande possibilidade de vitória, já que os Soviéticos eram os atuais e maiores campeões em toda a história do Xadrez e os norte-americanos tinham no lendário Bobby Fischer uma oportunidade única para obterem este trono. Foi dada tanta importância para esta disputa que para a realização do match foram realizados diversos acordos entre o alto escalão dos dois governos, desde ao local de jogo, um ambiente neutro, até a posição das cadeiras. O match foi marcado por uma acirrada disputa e pela geniosidade do norte-americano Bobby Fischer. O jogador reclamava a cada momento, desde por uma câmera de vídeo que estava atrapalhando sua concentração, até pelo estofamento de sua cadeira. Os veículos de comunicação de todo o mundo cobriam a disputa como um espetáculo de proporções olímpicas. As provocações eram intensas. O match durou quase um mês. A cada partida o clima ia tornando-se mais tenso. Bobby Fischer chegou a ameaçar abandonar a disputa após entraves com os organizadores, mas a situação foi contornada e saindo de uma situação de desvantagem ele conseguiu uma vitória esmagadora, tornando-se o primeiro e único norte-americano Campeão Mundial de Xadrez.

XADREZ NO BRASIL

   O Brasil sempre possuiu jogadores notáveis e talentosos no cenário mundial. Acredita-se que o jogo tenha chegado ao país já em 1500 quando na descoberta, por parte dos portugueses, das terras tupiniquins. O primeiro jogador brasileiro de sucesso foi Caldas Viana, que já em 1883 ganhou vários torneios pelo Brasil. Desde então diversos foram os nomes de destaque no país, mas nenhum deles comparado ao gaúcho Henrique Mecking, o Mequinho, uma verdadeira lenda do xadrez mundial. Mecking ganhou seu primeiro campeonato brasileiro de xadrez aos doze anos de idade. Venceu dezenas de torneios por todo o mundo, chegando a ser o terceiro melhor jogador do mundo, atraz apenas de Karpov e Kortchnoi, no final da década de setenta. Suas conquistas fizeram com que se tornasse muito conhecido por todo país e por todo mundo. Chegou a ser até homenageado por Raul Seixas numa de suas canções. Entretanto, no auge da carreira Mequinho foi vítima de uma rara doença, considerada incurável e degenerativa, doença esta que atrofia os músculos levando o enfermo à morte progressiva. O grande mestre brasileiro decidiu então se converter severamente à religião católica. Retirou-se e rezou arduamente pela cura, a qual conseguiu surpreendentemente. Convencido de que fora salvo por um milagre, recolheu-se a um mosteiro e abandonou o xadrez por mais de quinze anos. Voltou a jogar somente em 2000, já conseguindo alguns resultados significantes. Atualmente treina para recuperar sua velha forma.

   Entretanto mesmo com a ausência de Mecking, o Brasil continuou a formar grandes talentos no xadrez. Atualmente a equipe brasileira é a mais forte das Américas, tendo nomes de destaque como Rafael Leitão, Giovani Vescovi, Jaime Sunye Neto, Gilberto Milos e Darcy Lima.

XADREZ, ESPORTE E MARKETING

   Nas últimas décadas o xadrez ressurge como esporte, posição contestada, anteriormente, pela provável ausência do aspecto físico na sua prática. Nas olimpíadas de Sidney é aceito como esporte de demonstração e será reintegrado definitivamente às competições que valem medalhas a partir de 2004 em Atenas. Esta conquista do mundo enxadrístico deve-se, na sua essência, ao abrupto aumento do número de praticantes do xadrez após a popularização da Internet. O esporte por ser de fácil acesso, necessita apenas de um tabuleiro e de um jogo de peças para ser praticado, é amplamente praticado na rede mundial de computadores atraindo adeptos de todo o mundo.

   Para a inclusão do xadrez nas Olimpíadas de Verão, a modalidade necessitou comprovar seu aspecto esportivo, a fim de convencer o COI (Comitê Olímpico Internacional) de que realmente era um esporte. Para tanto foram realizados estudos que comprovaram o xadrez como atividade física, sendo que, monitorados os batimentos cardíacos de jogadores em partidas de xadrez relâmpago, o resultado foi surpreendente. No ápice da disputa alguns jogadores apresentavam níveis de batimento cardíaco comparados ao de um corredor ao final da prova. Os altos níveis de atividade cerebral, o aumento da circulação sangüínea, da liberação hormonal e a movimentação, principalmente dos membros superiores, exigem do enxadrista uma boa capacidade física e sobretudo motora. Há de se salientar também o aspecto postural e emocional, trabalhados constantemente durante o jogo.

   Outro aspecto que reforça o xadrez como esporte é a parte financeira. Os torneios em todo mundo movimentam, segundo a FIDE, cerca de 20 bilhões de dólares por ano. Tanto dinheiro causa muitas intrigas entre os jogadores profissionais. O ex-campeão mundial Gary Kasparov, após desavenças financeiras, rompeu os laços com a FIDE (Federation Internacional Des Échecs) e criou a PCA (Professional Chess Association), que logo depois transformou-se em WCC (World Chess Company). O Russo Kasparov alega que a FIDE retém as verbas dos jogadores, cartelisando o sistema de premiações. Entretanto ele não parece disposto a reatar laços com a entidade, pois indica ter descoberto uma mina de dinheiro ao entrar na ala financeira da promoção do xadrez. No final da década de noventa Kasparov assinou contrato com a IBM, de Bill Gates. O russo jogaria a cada ano um match contra um supercomputador da empresa a fim de promover o equipamento e a marca até ser derrotado. Nas três primeiras oportunidades Kasparov venceu com muita facilidade, porém na quarta vez, a IBM montou Deepblue, um monstro de silício que chegava a processar cerca de 200 bilhões de posições a cada segundo. O marketing sobre a disputa foi enorme, a IBM passava por um processo judicial e enfrentava novos concorrentes. Só a vitória interessava à empresa. Após as primeiras partidas Bill Gates e seus assessores perceberam que o supercomputador não venceria Kasparov. Dizem que ofereceram-lhe então um cachê de 10 milhões de dólares para o russo perder. Kasparov aceitou, o mundo enxadrístico vaiou, ficando claro que o russo havia entregado as partidas. Entretanto a IBM alcançou seu objetivo e ganhou fôlego no mercado, sendo que no dia da vitória de Deepblue suas ações recuperaram-se de grande queda que vinham sofrendo gradualmente. Este é apenas um dos eventos que mostram a importância do xadrez como elemento de Marketing. Por estar relacionado à inteligência subjetiva e à esperteza, o xadrez é sempre procurado para promover algum produto que se relacione a estes dois elementos.

XADREZ E CINEMA

   Não há como negar o cinema como arte de suma importância dentro da sociedade e da história da humanidade. Filmes marcam época e retratam os mais valiosos acontecimentos eternizando-os. O xadrez como esporte apaixonante que é, conta com muitas produções, sendo algumas “Hollywoodianas” famosas como “Casablanca”, “O Sétimo Selo” e o recente “Lances Inocentes”. É difícil vermos um filme atualmente em que não haja alusão ao jogo de xadrez em algum momento.

XADREZ ESCOLAR

   Os seres humanos se destacam dos outros seres vivos pela aquisição da capacidade de agir sobre a natureza, ou seja, mudar, pensar logicamente. Dentro deste contexto, tem-se a implantação do xadrez como atividade de suma importância para o treinamento deste raciocínio lógico. É do conhecimento de todos, que o xadrez vem a enriquecer não só o nível cultural do indivíduo, mas também várias outras capacidades como a memória, a agilidade no pensamento, a segurança na tomada de decisões, o aprendizado na vitória e na derrota, a capacidade de concentração, entre outros. O ensino e a prática do xadrez têm relevante importância pedagógica, na medida em que tal procedimento implica, entre outros, no exercício da sociabilidade, do raciocínio analítico e sintético, da memória, da autoconfiança e da organização metódica e estratégica do estudo. O jogador de xadrez, constantemente exposto a situações em que precisa efetivamente olhar, avaliar e entender a realidade, pode mais facilmente, aprender a planejar adequada e equilibradamente, a aceitar pontos de vista diversos, a discutir questionários e compreender limites e valores estabelecidos e a vivenciar a riqueza das experiências de flexibilidade e reversibilidade de pensamentos e posturas. Em países como a França e a Holanda o xadrez já há muito tempo faz parte do currículo escolar como atividade extracurricular. Após sua implantação, percebeu-se um elevado nível de alunos com melhora no coeficiente escolar e uma queda no nível de atendimentos a alunos com dificuldades de concentração. Na Rússia, o xadrez está para eles como o futebol esta para nós, brasileiros. O governo russo apoiou intensivamente a difusão do xadrez, criando até universidades específicas para o melhor estudo do jogo; sendo que nas escolas, todos, sem exceções, praticam xadrez.

   O psicólogo BINET (1891), primeiro criador dos testes de quociente da inteligência e professor da Universidade da Sorbonne, em Paris, iniciou suas experiências sobre algumas das possíveis contribuições do xadrez para o desenvolvimento intelectual. Suas conclusões, que abordaram a memória, a imaginação, o autocontrole, a paciência e a concentração, serviram de base para futuros trabalhos sobre o funcionamento do cérebro.

   Os psicólogos da Universidade de Moscou DIACOV, PETROVSKY e RUDIK (1926), foram encarregados pelo governo soviético de investigar o eventual valor educativo do xadrez. Eles verificaram que os enxadristas são muito superiores à população em geral quanto à memória, imaginação, atenção distribuída e ao pensamento lógico, passando então a recomendar este esporte como um método de auto desenvolvimento das capacidades intelectuais.

   VYGOTSKY (1933), afirmou que “embora no jogo de xadrez não haja uma substituição direta das relações da vida real, ele é sem duvida, um tipo de situação imaginária”. Pode-se dizer que, conforme propõe este grande psicólogo, através da aprendizagem do xadrez, a criança estaria elaborando habilidades e conhecimentos socialmente disponíveis, passando a internalizá-los, propiciando a ela um comportamento alem do habitual de sua idade.

   O psicólogo, matemático e enxadrista GROOT (1946), o qual representou seu país em três olimpíadas de xadrez, publicou seus estudos sobre o processo do pensamento dos mestres enxadristas. Este autor pensa ser capaz de confirmar a teoria da “concepção linear” de SELZ, considerando que cada momento do pensamento é determinado em sua totalidade pelo conjunto dos momentos que o procederam. Para ele, o pensamento no xadrez é essencialmente “não verbal”, e sim, deriva de uma série de retro-análises que vêm em forma codificada à cabeça do jogador.

   Os psicólogos da Universidade de Gand, CHRISTIAEN e VERHOFSTADT (1981), investigando a influência do xadrez no desenvolvimento cognitivo, observaram que alunos do grupo experimental ao nível de 5º série, que receberam aulas de xadrez durante dois anos, obtiveram resultados significativamente superiores em testes cognitivos do tipo proposto por PIAGET, do que os alunos do grupo controle que não as receberam.

   Desde 1976, o Ministério da Educação da França patrocina as competições de xadrez escolar oficiais e sugere às autoridades acadêmicas que incentivem o ensino do xadrez como atividade “sócio-educativa”, como atividade de “estimulação cognitiva” e como “estudo dirigido”. Neste país, inúmeras experiências, do jardim-de-infância à universidade estão sendo realizadas.

   Na década de 1980, com os jogadores KARPOV e KASPAROV, o xadrez transformou-se no esporte número um da então União Soviética, e seus torneios escolares chegavam a receber um milhão de alunos, somando-se as diversas etapas.

   Atualmente cerca de 300.000 mil estudantes estão sendo beneficiados por uma resolução do ministério da educação da Holanda, que autorizou a inclusão do xadrez como disciplina escolar no currículo de primeiro grau durante meia hora semanal.

   Nos últimos anos, o tema “xadrez e educação” tem estado presente nos debates institucionais. Se em países desenvolvidos a utilização de jogos de estratégia em salas de aula já se encontra perfeitamente aceitável, o mesmo não se pode afirmar, salvo algumas exceções, quanto aos países em desenvolvimento, entretanto, no Brasil, a implantação do xadrez nas escolas já é vista como fundamental por pedagogos e coordenadores, e isto vem sendo feito, mas mais especificamente nos últimos quinze anos.

   No estado do Paraná o projeto encontra-se em fase bastante avançada, sobretudo pelos esforços do grande mestre Jaime Sunye Neto e de sua equipe de trabalho. Em Curitiba já existem torneios que mobilizam mais de oitocentas crianças em cada etapa, e em todo estado estima-se que o número de alunos envolvidos com o xadrez passe de quinhentos mil.

   Entender os benefícios que este esporte pode trazer ao aluno e a educação em geral é a maior barreira para os educadores, porém, como já é demonstrado, basta analisar os resultados obtidos e também aprofundar o estudo em relação aos verdadeiros benefícios do xadrez para saber como aplicá-lo, que a iniciativa será justificada.

10. CONSIDERAÇÕES FINAIS

   O xadrez por tão apaixonante que é, torna-se para alguns arte, para outros ciências e para outros ainda esporte. Entender a trajetória deste jogo, seus aspectos físicos, lúdicos e psicológicos, é entender como o xadrez, um jogo elegante e irrefutável, transforma-se no esporte mais praticado do mundo hoje. A grande legião de aficionados do xadrez se engrandece a cada dia, pois o xadrez não é simplesmente o “chegar e jogar”, requer todo um conhecimento e estudo da sua história, requer sobretudo o interesse cultural do jogador. Vimos aqui sua importância também no contexto histórico, desde atividade lúdica do período feudal passando a se ocidentalizar perante as conformações impostas pela Igreja Católica, até a ser considerado elemento hegemônico da guerra fria. Sua importância como disciplina já é reconhecida. No âmbito escolar já é respeitado como atividade essencial à formação dos alunos. Creio que o objetivo principal deste trabalho é levar diversos conhecimentos relativos ao xadrez ao leigo, para que este possa descobrir este novo mundo, cheio de vida e de qualidades que só vêm engrandecer, alegrar e distrair o homem.

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SUGESTÃO DE LITERATURA:

BECKER, Idel. Manual de Xadrez. 7ª edição. São Paulo: Ed. Nobel, 1978.
BINET, Alfred. Psychologie dês Grands Calculateurs et Jouers d’échecs. Paris: Ed. Hachette, 1894.
CHRISTIAEN, Johansen; VERHOFSTADT, Lebut. Xadrez e Desenvolvimento Cognitivo. Amsterdan, v.36, 1981.
DA SILVA, Wilson; TIRADO, Augusto. Meu Primeiro Livro de Xadrez. Curitiba: Ed. Expoente, 1995.
DIAKOV, Irvin; PETROVSKY, Norbert; RUDIK, Paulsen. Psychologija v Sachmatnoj Igri. Moscou, 1926.
GOETHE, Johann. Uma Aventura no Mundo do Xadrez. Disponível em:
Site: http: //www.bsi.com.br/~landrade/> Acesso em: 17 mar. 2002.
GROOT, Antun. Het Denken van den Schaker: Een Experimenteel Psychologische Studie, Amsterdan, 1946.
LASKER, Edward. A Aventura do Xadrez. São Paulo: Ibrasa, 1962.
MELÃO JÚNIOR, Hindemburgo. Tributo à Deusa Caissa. Disponível em: http://www.terravista.pt/Enseada/2502/Tributo2.htm - Acesso em: 20 mar. 2002.
SA, Antonio. O Xadrez e a Educação: Experiências nas Escolas Primárias e Secundárias da França. Rio de Janeiro, 1988.
VASCONCELOS, F. Apontamentos para uma História do Xadrez e 125 Partidas Brilhantes. Brasília: Editora Santa Casa, 1991.
VYGOTSKY, Lev. A Formação Social da Mente. São Paulo: Fontes, 1989.


* Ciro José Cardoso Pimenta
Graduando em Educação Física pela UFPR.
Técnico, professor, árbitro, jogador e palestrante de xadrez.
Vice-Presidente da Federação de Xadrez do Paraná.
ICQ#:79081940
E-mail: ciropimenta@bol.com.br

 

 


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